tag:blogger.com,1999:blog-17037923245577666662024-03-19T05:19:35.810-03:00Fábula, destino.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.comBlogger153125tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-83092636217008953702015-03-16T17:32:00.001-03:002015-03-16T17:32:25.751-03:00a espera e o cão<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px;">
"<br />Um homem chegou no dia<br />em que não havia espera.</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Na porta, somente o cão<span class="text_exposed_show" style="display: inline;"><br />guardava o tempo.</span></div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">
<div style="margin-bottom: 6px;">
E o tempo era correr<br />atrás do rabo.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
O homem tomou o castelo,<br />a cama, o arco.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Agora, dorme ao meu lado<br />descansa da travessia.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Não sabe seu gosto de mar</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
não sabe que traz, na pele, a alma<br />do mar.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Preciso partir para esse lugar<br />de onde o homem voltou</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
(o amor, agora, é o mar).</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Comecei a tecer uma rede<br />de pesca.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Comecei a tramar<br />certo corpo de barco.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Agora, tranço os cabelos<br />e olho pela janela.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
É quando ele desperta<br />desfaz a cama, desfia os planos</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
desata a trança, pisa na rede</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
e sinto, de novo, o mar.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
De repente, partir é igual<br />a ficar.<br />"</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
mônica aquino</div>
</div>
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-33990583567602519852015-03-16T17:30:00.001-03:002015-03-16T17:30:47.956-03:00mia couto 4<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px;">
"<br />capítulo 21 - a chave da chuva</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
eis o que aprendi<br />nesses vales<span class="text_exposed_show" style="display: inline;"><br />onde se afundam os poentes:<br />afinal, tudo são luzes<br />e a gente se acende é nos outros.<br />a vida é um fogo<br />nós somos suas breves incandescências.</span></div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">
<div style="margin-bottom: 6px;">
(fala de João Celestioso ao regressar do outro lado da montanha)</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
"</div>
</div>
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-35683850325753481642015-03-16T17:28:00.001-03:002015-03-16T17:28:59.315-03:00mia couto 3<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">"</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">- Que faz, Fulano? Não vai desfilar?</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">- Por quê?</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">- Por quê? Você não deveria estar no ensaio das comemorações?</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">- Para comemorar o quê?</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;"><br />- A independência! Ou não está feliz com a independência?<br />Meu pai não respondeu. Ele queria dizer que a independência que mais vale é aquela que está dentro de nós. O que apetecia celebrar era o vivermos por nosso modo e gosto. Em vez disso, porém, meu velho apenas encolheu os ombros:<br />- Estou feliz, sim, muito feliz.<br />- E então?<br />- Mas vou ficar aqui a fazer companhia à minha mulher. Faz anos que não assisto a um poente junto com ela.<br />"</span>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-71638277027314669922015-03-16T17:27:00.001-03:002015-03-16T17:27:48.087-03:00mia couto 2<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px;">
"<br />A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência. A bordo do barco que me leva à Ilha de Luar-do-Chão não é senão a morte que me vai ditando suas ordens. Por motivo de falecimento, abandono a cidade e faço a viagem: vou ao enterro de meu Avô Dito Mariano.</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Cruzo o rio, é já quase noite. Vejo esse poente como o desbotar do último sol. A voz antiga do meu Avô parece dizer-me: depois deste poente não haverá mais dia. E o ges<span class="text_exposed_show" style="display: inline;">to gasto de Mariano aponta o horizonte: ali onde se afunda o astro é o mpela djambo, o umbigo celeste. A cicatriz tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. No Avô Mariano confirmo: morto amado nunca mais para de morrer.</span></div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">
<div style="margin-bottom: 6px;">
(...)</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Fomos, pela cidade, ele um pouco à frente, com seu andar empinado mas tropeçado de salamaleques. Sempre foi assim: ao mínimo pretexto, Abstinêncio se dobrava, fazendo vénia no torto e no direito. Não é respeito, explicava ele. É que em todo o lado, mesmo no invisível, há uma porta. Longe ou perto, não somos donos, mas simples convidados. A vida, por respeito, requer constante licença.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
(...)</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
De novo, a sua atenção pousa no Tio. Seu olhar parece mais um modo de escutar. Que seria que ela retirava de meu parente? Talvez sua definhada postura. Sabe-se: a dor pede pudor. Na nossa terra, o sofrimento é uma nudez - não se mostra aos públicos. Abstinêncio se comporta em sua melancolia. A velha coloca a mão sobre a testa, cortinando os olhos, atenta aos tintins dos gestos de Abstinêncio.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
- Esse homem vai carregado de sofrimento.<br />- Como sabe?<br />- Não vê que só o pé esquerdo é que posa com vontade? Aquilo é peso no coração.<br />"<br />mia couto</div>
</div>
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-51099337137917803972015-03-16T17:24:00.001-03:002015-03-16T17:24:57.892-03:00meu oceano<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">tu é mar.</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">teu corpo é água, teus braços são ondas, teu cabelo é sargaço. teus olhos são estrelas, teus peitos são ouriços e tua língua é peixe, que navegam todos dentro de mim.</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">navegar em você é tarefa pra marinheiro experiente que domine marola e ondas grandes. mas o capitão também é você: não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar.</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">tu é homem-mar de braçadas longas, quase inalcansáveis, mas que, vez ou outra, surpreende com nado curto, seguro, comedido.</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">tu é seguranç</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">a.<br />teus braços são ondas baixas, mar parado, calmaria, aconchego, casa. mulher de olhos fechados, boiando.<br />mas chega também no oceano profundo e misterioso, e me leva mesmo sem saber nadar.<br />mulher de olhos fechados.</span>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-65528403028866259412015-03-16T17:22:00.000-03:002015-03-16T17:22:12.229-03:00mia couto<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px;">
"<br />(...)<br />eu tenho essa única saudade. Que caia um muitão de chuva, até chover dentro de mim, pingar-me os tetos da cabeça, me aguar o coração e eu sentir que Deus está me lavando das poeiras que a vida me sujou. E assim diluviado, eu escute, entre o ruído das gotas nos telhados, a voz de minha mãe me farolando:<br />- Você vem, volta...<br />E agora que estou falando, imagine, doutor, estou já sentindo em meus braços o doce roçar das folhinhas da planta que me protege do rebentar do pei<span class="text_exposed_show" style="display: inline;">to, logo hoje que é véspera de eu ser sentenciado no suspenso da corda. Como se essa corda me conduzisse para onde minha mãe me espera, sentada na berma de um chuvisco. Como se esse nó da forca fosse o meu cordão desumbilical.<br />Me invente uma chuvinha, doutor...<br />"</span></div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">
<div style="margin-bottom: 6px;">
mia couto.</div>
</div>
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-54227580766343430382014-08-16T16:22:00.001-03:002014-08-16T16:22:18.651-03:00Carta a D. - II"É preciso aceitar ser finito: estar aqui e em nenhum outro lugar, fazer isto e não outra coisa, agora e não sempre ou nunca (...); ter apenas esta vida".<br /><br />André Gorz; página 34alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-80289796507917383792014-08-16T16:16:00.000-03:002014-08-16T16:16:06.117-03:00Carta a D."<br />Era isso: você havia me dado a possibilidade de escapar de mim mesmo e me instalar num outro lugar, do qual você me trouxera a notícia. Com você, eu podia deixar de férias a minha realidade. Você era o complemento da irrealização do real, estando eu mesmo nele compreendido desde sete ou oito anos antes, através da atividade de escrever. Você era quem punha entre parênteses esse mundo ameaçador, no qual eu era um refugiado de existência ilegítima, cujo futuro nunca ultrapassava três meses. Eu não tinha a menor vontade de voltar à Terra. Encontrava refúgio numa experiência maravilhosa e não aceitava que ela fosse alcançada pela realidade. Eu recusava, no fundo de mim mesmo, aquilo que, na ideia e na realidade do casamento, implica esse retorno ao real. Até onde consigo lembrar, eu sempre procurei não existir. Você deve ter trabalhado anos a fio até me fazer assumir minha existência. E esse trabalho, estou certo disso, nunca se completou<br />" <br /><br />André Gorz; página 16alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-77879416136779287382014-06-24T11:52:00.004-03:002014-06-24T11:55:03.726-03:00Para além da curva da estrada<span class="fbPhotosPhotoCaption" id="fbPhotoSnowliftCaption" tabindex="0"><span class="hasCaption">"<br />Para além da curva da estrada <br /> Talvez haja um poço, e talvez um castelo, <br /> E talvez apenas a continuação da estrada. <span class="text_exposed_show"><br /> Não sei nem pergunto. <br /> Enquanto vou na estrada antes da curva <br /> Só olho para a estrada antes da curva, <br /> Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. <br /> De nada me serviria estar olhando para outro lado <br /> E para aquilo que não vejo. <br /> Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. <br /> Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. <br /> Se há alguém para além da curva da estrada, <br /> Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. <br /> Essa é que é a estrada para eles. <br /> Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. <br /> Por ora só sabemos que lá não estamos. <br /> Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva <br /> Há a estrada sem curva nenhuma<br />" <br /> Alberto Caeiro</span></span></span>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-46928719813686292722014-01-20T00:29:00.005-03:002014-01-21T03:03:54.695-03:00A metáfora do coração - parte 3<div style="text-align: left;">
<span style="color: white; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: x-small;"><span style="line-height: 17px;"></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-weight: normal;">"Somente aquilo que constitutivamente é fechado pode ser a sede de uma intimidade; aquilo que com suprema nobreza pode abrir-se sem deixar de ser cavidade, interioridade que oferece o que era a sua força e o seu tesouro, sem se converter em superfície. Que, ao oferecer-se, não é para sair de si mesmo, mas para fazer adentrar-se nele o que vagueia fora. Interioridade aberta; passividade ativa. Tal parece ser a vida primeira do coração, víscera onde todas as restantes cifram a sua nobreza, como se nela tivessem delegado para executar essa ação suprema, delicada e infinitamente arriscada. Porque neste abrir-se da entranha coração, arrisca-se a vida das restantes que não podem fazê-lo, mas que estão comprometidas por participação. Pouco valor teria essa abertura do coração se ocorresse sem participação das demais entranhas somente passivas, obscuras e sem espaço para oferecer - pura vibração sensível, puro trabalho também -. Se tal participação não sucedesse, o coração poderia ter uma vida independente e solitária, como chega a ter o pensamento. Mas a primeira diferença que salta referente a ele, é esta de não poder desligar-se, de não andar solto, com vida independente. E levar sempre agarradas as entranhas (!!!). O que é estar e permanecer sempre e em todo o momento vivo, pois vida é esta incapacidade de um órgão desligar-se de outro, um elemento de outro; esta impossibilidade de dissociação que é tão arriscada, porque, ao não existir separação, quando chega é fatalmente a morte. Incapacidade de libertação, de viver independente e solitário que é a forma de liberdade do pensamento, que consegue assim a sua superioridade, mas sem heróismo, porque nunca arrisca, nem padece, porque ao libertar-se da vida nada tem que temer da morte"</span><span style="font-weight: normal;"><br /></span><span style="font-weight: normal;"><br />(María Zambrano, páginas 23 e 24)</span></span>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-84535202965631671812013-11-19T00:59:00.006-03:002013-11-19T00:59:48.157-03:00Tu não te moves de ti<div>
Rute, hoje vou te mostrar meu poema, antes do primeiro relatório</div>
<div>
Rute, é um poema pequenino, falta a última palavra aqui, e o relatório está pronto</div>
<div>
Rute, é sobre o instante, sabe? essa dificuldade de </div>
<div>
Claro, Rute, o relatório está perfeito, mas é sobre o poema que</div>
<div>
Do verso-vida dentro de mim que agora me enche o peito, do meu verso reprimido, de mim Tadeu há tantos anos sonâmbulo deitando-me e levantando-me para te dar o que tu ainda chama de delicadeza, delicadeza-prato-de prata sob outros pratos - delicadeza de louça portuguesa, delicadeza-ânforas aladas, delicadeza moldura cinzeiros caixas, deitando-me e levantando-me para que a casa conserve a mesma atmosfera de dentro dos cofres, silenciosa e severa e em cada canto uma delicadeza feita do meu sangue, meu verso esse sim delicado escondido na minha velha gaveta, meu desenho de luz e sobriedade, ponta seca, homem-Tadeu de asa curvada sobre o fio da vida, tu mesma desenhada aos vinte, aquarela de cinza e amarelo, os pés descalços, hera colada ao muro atrás da tua cabeça, luz sobre a tua coxa direita entreaberta, porque assim logo depois do amor colocando a fivela, de ouro a tua fivela minha primeira delicadeza, a cada instante viste a minha fivela? abrindo as gavetas segurando o tufo de cabelos sobre a nuca, Tadeu, ajuda, procura a minha fivela, Tadeu, te olhava estendido na cama, tu parecias rara, muito, se não falavas. Por que, Rute, minha carne quis a tua? Mas não é a carne que pede alguma coisa, é antes a alma, eu te tocava assombrado de mim, mas não é Rute que vai alimentar o embrião-milagre, vai matá-lo, embrião-poesia-bulbo acetinado, por que a carne desejou a tua, se a alma de ti não sabia? Gostas da aquarela? Eu não te vejo pintor muito menos poeta Bem, mas com o tempo eu posso chegar a Te vejo tão perfeito na liderança da empresa Sei, mas não gostas ao menos um pouco deste traço? olha o título que coloquei, aqui quase apagado no canto da aquarela Ah sim... "Rute depois do gozo"... engraçado, nunca me vi assim, te lembraste de outra? nunca tive esse cabelo, nem esse rosto comprido, o olho tão redondo, não gosto quando me mostras teus desenhos, teus versos, nunca me vejo neles, é como se tu fosses outro cada vez que me mostras esboços, palavras</div>
<div>
Meus livros tão amados, Rute, guardaste-os num lugar tão alto, era preciso uma escada tão comprida</div>
<div>
Mas é tão harmoniosa aquela gruta suspensa para os livros, como não enxerga? imagine, até de longe tu podes reconhecer as lombadas, queres ver? Carlos Drummond de Andrade Obra Completa, Jorge de Lima, é só pedires a escada Minha alma escurecida Quê? Minha alma escurecida. Quê? Nada, que horas são? Dez. agora já é tarde para pedires a escada.<br /><br />(Hilda Hilst)</div>
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-9670508537967772322013-11-01T00:34:00.000-03:002013-11-19T00:34:18.808-03:00Permanência<br />
Agora me lembra um, antes me lembrava outro.<br />
Dia virá em que nenhum será lembrado.<br />
<br />
Então no mesmo esquecimento se fundirão.<br />
Mais uma vez a carne unida, e as bodas<br />
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.<br />
<br />
Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim<br />
(já começara, antes de ser), e somos eternos,<br />
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustados: eternos.<br />
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono<br />
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,<br />
ou nunca fomos, e contudo arde em nós<br />
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.<br />
<br />
(drummond)<br />
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-91994769844220458712013-10-25T00:26:00.000-03:002013-11-19T00:33:15.244-03:00Barba Ensopada de Sangue<div style="text-align: left;">
<span style="color: #37404e; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: x-small;"><span style="line-height: 18px;"></span></span></div>
<span style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif;">Alguma coisa no conjunto desse instante o comove. A cachorra aparenta estar contente e pacificada pela primeira vez desde a morte de seu pai. Dália está confiando a seus cuidados o filho que ele ainda nem conhece. Talvez seja a afobação com que ela busca fincar a bandeira na vida dele, talvez ele simplesmente queira ficar sozinho e esteja dominado agora por uma carência momentânea, talvez no fundo ele não a ature, não tem um diagnóstico preciso, mas surge uma sensação muito forte de que a relação íntima que estava nascendo entre eles começou a terminar nesse instante. Preferiria estar errado. E ao mesmo tempo há uma coerência interna reconfortante na maneira como um já afetou a vida do outro de maneira irreversível, algo de bom que já se instalou e está protegido, que deverá durar mesmo que essas manhãs se interrompam hoje mesmo.</span><span style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif;"><br />(Daniel Galera)</span>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-59475006622052141712013-10-16T00:18:00.002-03:002013-10-16T00:23:54.441-03:00There's no smoke without fireSe sentia uma menina. Dentro de um carro, protegida e chapada. Quando bate, você se sente destemida, não protegida. Proteção tem aura. Por isso dessa vez era diferente, admiração. Admiração e amor possuem uma relação direta, ainda indecifrável, mas ligados. Se havia admiração, talvez, a anos-luz estivesse o amor. Lombra, proteção, admiração e amor.<br />
<br />
Abriu o biscoitinho da sorte - nem era tão menina assim. Primeiras-vezes. Perdeu a virgindade com o biscoitinho oriental que dizia qualquer coisa sobre revelações, verdades. Pensou ser do azar. Mas não. Verdade é sorte. Vida pode até ser azar, mas verdade é sorte.<br />
<br />
Riu, riu, riu. Tudo naquele momento parecia ser cinematográfico. Talvez essas situações não têm a ver exatamente com cinema. São coisas que a mente vai guardar ~~ para sempre. Pequenas pausas na eternidade.<br />
<br />
O biscoito abriu alas para as desgraças. Com classe, graça, pose. "Esta noite você terá grandes revelações". Abriram-se as portas da verdade. Veio empurrando tudo. Admiração, amor e, sobretudo, proteção. Não há proteção sem admiração e amor. <br />
<br />
Biscoito spoiller do destino.<br />
<br /><br />(não esquecer: <a href="http://manualdominotauro.blogspot.com.br/2013/10/hermeticus.html">http://manualdominotauro.blogspot.com.br/2013/10/hermeticus.html</a>)<br />
<br />
<div>
<br /></div>
alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-26890043846703168932013-07-17T16:31:00.003-03:002013-07-17T16:31:43.983-03:00curitiba - dia 3uma regra vale pra todas as cidades do mundo tenham elas tubos onde se pegar ônibus ou paradas sem ao menos uma cobertura ou um banco pra sentar: se você está atrasado e o ônibus está no ponto, corra, lola, CORRA! por causa disso, caí estatelada hoje no chão em Curitiba. tropecei e caí de joelhos. dei um grito, minha bolsa voou, meus óculos, e fiquei lá deitada na calçada. minha amiga e um homem que passava na rua vieram me ajudar e eu e ela seguimos pro Jardim Botânico em um ônibus que ainda demorou muito pra sair do tubo.<br /><br />no parque (hehe, Letícia), fui lavar o joelho e a feridinha perto da barriga. uma moça viu os machucados, perguntou o que tinha acontecido e ficou se lamentando por mim. na hora de se despedir, disse: "mas não se preocupa, quando casar, sara". Pensou por uns dois segundos e completou: "se não casar, sara também!"<br /><br />:)))))))alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-82086567144176265502013-01-17T10:35:00.005-03:002013-01-17T10:42:01.752-03:00A metáfora do coração - 2"Mas o que primeiro sentimos na vida do coração é a sua condição de escura cavidade, de recinto hermético: víscera, entranha. O coração é o símbolo e representação máxima de todas as entranhas da vida, a entranha onde todas encontram a sua unidade definitiva e a sua nobreza. Pode-se, e a expressão popular bem o sabe, ter entranhas e não ter coração; é próprio dos seres capazes de sentir, mas sem nobreza, dos quais não se deve esperar esses momentos de ânimo que levam o selo da generosidade, que não têm as condições especiais que a metáfora do coração leva quase sempre: falta-lhes o <i>espaço vital</i><espa o="o" vital="vital">. Seres com entranhas sem espaço, que são um grau ínfimo na hierarquia do que é vivo. Sentem, mas no seu sentir há um absoluto hermetismo; sentem para si, e o seu sentir jamais se abre, nem sequer irradia. O coração é a víscera mais nobre porque leva consigo a imagem de um espaço, de um <i>dentro</i> obscuro secreto e misterioso que, em algumas ocasiões, se abre." <br /><br />(Trecho do livro A metáfora do coração, María Zambrano)</espa><br />
<span style="color: #bbbbbb; font-family: 'Trebuchet MS', Trebuchet, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-31179517708036424862013-01-16T10:57:00.001-03:002013-01-16T10:57:28.184-03:00A metáfora do coração - 1"O coração em chamas, ou o fogo do coração é a metáfora, a forma de que se revestiu nas suas aparências históricas. Mas na terminologia popular, nessa vida que o <<cora o="o">> levou em seus fiéis territórios, o coração não é fogo, mas parece apresentar-se em símbolos espaciais: é como um espaço que dentro da pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juízos e daquilo que pode ser explicado. É amplo e também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes, arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada. Encontrar também a solução de um conflito interior quando se caiu num labirinto inextricável por obra das enredadas circunstâncias. Nesta cultura permanente do coração, não arde como fogo, mas como chama, chama que não produz dor, mas felicidade. E é luz que ilumina para sair de impossíveis dificuldades, luz suave que dá consolo. Nesta mesma cultura, o coração tem feridas; lentas, às vezes impossíveis de sarar; dir-se-ia que as feridas nele nunca se fecham porque têm um certo caráter activo, são feridas vivas, como feridas das quais mana constantemente uma gota de sangue que impede a sua cicatrização. E, por último, o coração pesa; e é pior, pode fazer sentir o seu peso, que equivale ao do universo inteiro, como se nele, pesasse a vida de alguém que, na vida, não pode já vivê-la. É o<i> pesadume</i>, essa palavra tão profundamente espanhola, o pesadume que provém sempre do coração".</cora><br />
<br />
(Trecho do livro A metáfora do Coração, María Zambrano)alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-40974670209947212012012-08-06T21:44:00.006-03:002012-08-06T22:09:57.838-03:00Monólogo ao pé do ouvido ou a vereadora que empresta cartões da Marisa ou as contas que só vencem em novembro ou como eu só queria dormirQuando eu chego às nove da manhã no jornal e vou embora com o dia já escuro só consigo pensar em duas coisas: ainda no trabalho e no caminho apressado e esquisito, em cerveja. Quando chego na parada de ônibus e respiro, só quero me teletransportar pra debaixo do meu chuveiro quente e depois desmaiar.<br />
<br />
Perdi o ônibus e enquanto reclamava comigo mesma, uma mulher que tava do meu lado me falou qualquer coisa. Eu só ri. Foi quando entendi que ela me perguntava se a loja de calçados atrás de nós fazia cartão de crédito. Disse que achava que não. ela começou a conversar. perguntou se eu tinha cartão, se meu nome já esteve sujo e que o dela esteve por 6 anos. A hora avançava e ela perdeu a aula.<br />
<br />
- onde você estuda?<br />
- eu não moro por aqui, moro na Roda de Fogo.<br />
- ah, então você mora perto de mim. Moro no Engenho do Meio.<br />
<br />
Quando o ônibus veio, tive a impressão dela ter dito que ia pegar o mesmo que eu e que ela era analfabeta - porque tinha me perguntado o nome da loja antes. Avisei e ela subiu logo atrás de mim.<br />
<br />
Torci pra primeira cadeira depois da roleta estar vazia. Aquela que é só uma. Que você fica só, sem conversar, sem ninguém encostar em você. O único cara que subiu no ônibus antes de mim também queria ficar só e sentou nessa cadeira.<br />
<br />
Sentei mais pra trás e ela do meu lado. Liguei pra minha mãe pra ver se minha vizinha de ônibus esquecia da nossa conversa. Eu queria dormir. Assim que desliguei, ela disse:<br />
<br />
- tenho um celular desse com dois chips.<br />
<br />
me contou todas as operadores de telefonia da casa dela. da filha, da neta. tirou o tênis que estava nos pés e cujas prestações ela só começará a pagar em novembro. pegou a havaiana nova, cheirou e colocou nos pés.<br />
<br />
- que cheirinho de chiclete. tudo que é novo tem cheiro, né?<br />
<br />
eu só ria e colocava o fone até ela falar de novo e eu tirar.<br />
<br />
- vou descer no Engenho do Meio. vou entregar o cartão da minha amiga, da vereadora, ela é mulher do vereador.<br />
- ela te emprestou o cartão, foi?<br />
- foi. e ele tá levando todo mundo pra tirar título de graça.<br />
- mas tirar título é de graça.<br />
- não! tirar CERTIDÃO. certidão não é de graça, é R$50.<br />
(eu, que nunca tirei uma certidão de nascimento, me calei...)<br />
- mas ele não pode fazer isso, sabia?, continuei.<br />
- não é ele. é ELA. ela tá AJUDANDO as pessoas.<br />
<br />
eu entendi que não ia adiantar argumentar.<br />
- quem é o marido dela?<br />
ela me deu um santinho.<br />
- ele é bonito, né? engraçadinho..<br />
ri e disse que não achava.<br />
- é sim, gordinho e ele tá rindo.<br />
- mas todo político tira foto rindo.<br />
ela concordou e me deu mais um santinho pra eu dar pra minha mãe.<br />
<br />
perguntei o nome dela. depois de uns dois minutos, ela perguntou o meu. eu, com fone, só ri. ela repetiu:<br />
- qual o seu nome?<br />
- alana.<br />
- prazer, alana, muito prazer em te conhecer. eu gosto de conversar com as pessoas, o caminho passa mais rápido, a gente fica menos preocupado.<br />
<br />
eu ri.<br />
encostei a cabeça na janela. eu só queria dormir. coloquei o fone. fechei os olhos. olhei pro lado discretamente e ela também tava com os olhos fechados, "dormindo". dormindo comigo, do meu lado.<br />
bem na hora, Tulipa começou a gritar no meu ouvido, Criolo a gemer e saí dali por uns 4 minutos. chegou minha hora de descer, dei tchau.<br />
- até outro dia.<br />
- tchau, até.<br />
<br />
confesso que fiquei decepcionada com a despedida até que ela disparou:<br />
- meu telefone é...<br />
abri o sorriso e respondi:<br />
- certo.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/vKp-Ubof5nQ?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div><br />
não gravei o telefone e até o nome dela eu esqueci. A essa hora ela deve ter devolvido o cartão e está em casa mostrando a blusa nova que é a cara da neta. Amanhã quem vai pegar o cartão e estourar as contas é a filha de 18 anos. As primeiras faturas vencem em novembro e novembro já é amanhã, um pulo pro natal.<br />
<br />
Só me lembro de que o nome dela começa com Val.<br />
Que eu só queria dormir e que ela só queria conversar.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-28824438099908949172012-06-13T00:23:00.002-03:002012-06-13T00:30:29.937-03:00Eu nunca tinha ouvido dor de amor no posto de gasolinaO primeiro nunca de hoje foi obrigatório. Tinha que estar no trabalho às 7h, acordei às 6h40. Me joguei embaixo do chuveiro, me molhei e voei. Peguei o carro. <b>Nunca</b> tinha ido trabalhar dia de semana de carro, mas foi o jeito de tentar não chegar tão atrasada.<br />
<br />
Na volta, às 17h, o engarrafamento, um cansaço e a tristeza que foi começando a bater junto com a gasolina que estava prestes a acabar. Quando eu já me encaminhava para o fim do caminho, consegui encontrar um posto. Coloquei o combustível e desci pra pegar uma garrafinha de Smirnoff e um saco de Doritos. Na hora de pagar, o frentista:<br />
<br />
- Beber e dirigir, não faça isso..<br />
- Mas estou indo pra casa, vou beber lá.<br />
- Ah, então tá.<br />
(silêncio)<br />
- Ó, eu estou brincando, viu?<br />
- Eu sei!<br />
- E ae, ganhou muitos presentes no dia dos namorados?<br />
- HAHAHAHAHA, cheei de presente. Meu presente é esse aqui. (e levantei a comida e a bebida)<br />
- Ah, então tá você e estou eu na mesma situação.. eu estou é choramingando.<br />
- É? Por quê?<br />
- Terminei meu namoro há 15 dias.<br />
- Eita.... mas vai passar, poxa.<br />
- Namoro de 6 anos...<br />
- 6 anos??? É, vai demorar, mas vai passar.<br />
<br />
Meu cartão foi aceito, ele me deu o recibo e fui embora.<br />
- Tchau, boa sorte!<br />
<br />
Eu <b>nunca </b>tinha ouvido desabafo de nenhum frentista e fui pra casa mais feliz pela minha cara, mesmo cansada, ter sido receptiva a ouvir um coração doído e, confesso, feliz pelo o meu não estar doendo e por lembrar que os frentistas, os pedreiros, os enfermeiros e os empresários, todo mundo, ama. E sofre. Mas ama.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-81979630472557811162012-06-11T23:10:00.002-03:002012-06-11T23:15:44.317-03:00Ônibus e filas, sempre. Mas eu nunca.Acordei nesta segunda-feira com uma dessas decisões de segunda. Inspirada no blog <a href="http://365nuncas.wordpress.com/" target="_blank">365 nuncas</a>, resolvi escrever aqui tudo de novo que eu vá a fazer nos próximos dias. Não propositalmente, mas às vezes a gente vive coisas novas e nem se dá conta.<br />
<br />
Comecei o dia já com um nunca. Quando fui passar no ônibus, descobri que tinha quebrado meu Vem Trabalhador. Sabe-se lá como. Só sei que foi na doideira da festa de sábado. Isso me obrigou à mais um nunca: ter que ir tirar a segunda via do cartão depois do trabalho.<br />
<br />
Na fila, mais um: um menininho lindo, lindo, lindo que eu fiquei olhando, paquerando e ele morrendo de vergonha, se escondendo na mãe, desviando o olhar, olhando com o canto do olho. A gente cruzava uns olhares, ele desviava e me fez ficar pensando em gente grande, que olha, finge que não olha e a gente fica sempre sem entender. Acho que esse menininho vai ser um desses. Vai dar muita dor de cabeça pra muitas mulheres e/ou homens.<br />
<br />
No fim da noite, o nunca de maior surpresa. Seis da noite, chuva, ônibus lotado e uma cadeira vazia do lado da minha e eu meio sonolenta. De repente, uma mulher que estava passando ainda pela roleta, joga a bolsa no assento vazio pra marcar lugar e impedir que o velhinho que se aproximava sentasse.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-3525945228976941802012-05-23T21:15:00.001-03:002012-05-23T23:33:53.280-03:00Da tristeza que meus olhos viramUm dia eu vi um menino dos olhos tristes. A gente sabe que existe tristeza no mundo, mas ela nunca me tinha sido tão visível. O menino dos olhos tristes estava bem vestido, estudava e fazia teste pra uma dessas empresas que acredita vender felicidade. O menino dos olhos tristes não queria comprar felicidade, só queria um emprego. Eu, que nunca tinha visto tanta tristeza em dois olhos, torci para que ele conseguisse o emprego e ficasse mais feliz.<br />
<br />
No dia anterior, eu havia ajudado uma menina flor no teste da loja de felicidade. A menina flor era amiga do meu amigo panda e simpatizei um pouco com ela por causa dessa amizade compartilhada. No dia que conheci o menino dos olhos tristes, me arrependi de ter ajudado a menina flor. Flor entrou para a loja e eu nunca vou saber se os olhos do menino triste algum dia ficaram mais felizes.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-43178885493085171022012-04-18T22:50:00.003-03:002013-10-30T18:13:36.330-03:00O dia que encontrei Sérgio Xavier no aeroporto e não me despedi do meu paiEsses dias têm sido uma loucura. Entre choramingos e cervejas. Entre abandonos e corações soltos por aí. Entre quase nada no trabalho e um monte de coisa aos 45 minutos do segundo tempo.<br />
<br />
A pauta importante que caiu na minha cabeça de repente e que eu precisava de vozes oficiais - aquela coisa que pode ser bem difícil de conseguir e você só tem uma chance. Liguei logo pra santa assessoria de imprensa que informou que o secretário amanhã estaria no Rio de Janeiro.<br />
<br />
- A gente pode resolver hoje ainda?<br />
- Pode, pode.<br />
- Olha, agora eu posso falar com o secretário às 19h?<br />
- Tudo bem.<br />
<br />
Meu pai voltava pra Campo Grande hoje e, além de querer me despedir dele, precisava levá-lo até o aeroporto. Saí correndo do jornal, o ônibus demorou como sempre e, no caminho, a assessora me ligou de novo:<br />
<br />
- Olha, o secretário vai te ligar, mas às sete horas ele já está no vôo.<br />
- Vai me ligar agora?<br />
- Daqui a pouco. Ele está indo pro aeroporto.<br />
<br />
Eu ia ter que fazer uma entrevista no ônibus.<br />
<br />
- Hum, por acaso eu também estou indo pro aeroporto agora, será que ele prefere que seja pessoalmente?<br />
<br />
A assessora riu e disse que o secretário me ligaria e diria o que achava melhor.<br />
Fiquei na dúvida se o melhor era que ele realmente me ligasse logo pra garantir a entrevista ou que o tempo passasse logo pra que eu chegasse em casa e fizesse a entrevista pelo menos por telefone, mas no carro, com mais calma e menos barulho.<br />
<br />
Cheguei em casa, no aeroporto, e nada de ligação.<br />
Meus pais foram logo pro embarque e fui estacionar. Assim que entrei no aeroporto, a primeira pessoa que vejo é Sérgio Xavier, sozinho, falando ao celular.<br />
Me aproximei, parei ao lado e quando ele desligou, abordei:<br />
- Secretário, estou esperando uma ligação sua.<br />
<br />
Ele riu e disse que assim que desligasse o telefone, ia me ligar. Já que estávamos os dois ali, sentamos, conversamos com calma, gravei e ele embarcou.<br />
Levantei tranquila e fui procurar meus pais. Meu irmão acenou e eu logo disse:<br />
- Cadê o pai?<br />
- Já entrou.<br />
- Ham? Como assim? Sério?<br />
Eu não acreditei e continuei andando em direção ao embarque até me dar conta que meu pai tinha mesmo ido e eu não tinha me despedido. Na verdade, ele ainda estava na sala de embarque e dei um tchau, com raiva, e chorosa.<br />
<br />
Meu humor foi de novo do pico à fossa e vamos assim levando os próximos dias. Entre encontros e desencontros, chegadas e partidas, felicidades bobas e tristezas importantes.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-51041511365048468112011-02-17T02:17:00.002-03:002011-02-17T02:21:04.175-03:00Sobre os estágios.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjW_Gj3c-gSUywq4pGwm_6m2ywhTD1XJQbUpurihUhD9y_Km86XmMkpLc5EKHH_4Ic40PO8A5zXPbkiyDGc4AfwH-xrzOk6abD1vi7SxiwHAPAh4OQ9_9uIjvnuTuaqKzfX2i5SErAlplmb/s1600/octagon-house-watertown-wisconsin.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="228" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjW_Gj3c-gSUywq4pGwm_6m2ywhTD1XJQbUpurihUhD9y_Km86XmMkpLc5EKHH_4Ic40PO8A5zXPbkiyDGc4AfwH-xrzOk6abD1vi7SxiwHAPAh4OQ9_9uIjvnuTuaqKzfX2i5SErAlplmb/s320/octagon-house-watertown-wisconsin.jpg" width="320" /></a></div><br />
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Nunca mais tinha vindo aqui. Nunca mais tinha tido vontade de escrever. Tava absorta no meu mundo de férias, no meu mundo de muito fazer, de uns devaneios, de umas reflexões bipolares e passageiras. Mas foi só eu começar a voltar para a minha rotina de madrugadas em claro escrevendo coisas que não queria estar dizendo naquelas hora (tradução: jornalismo), que me vem a vontade de falar das coisas aqui de dentro. Das que eu não sei explicar, só sei sentir e muitas vezes mal.<br />
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Da minha arte de procrastinar, fui parar na bagunça da minha pasta no computador. Mil versões de texto. Mil números de telefones sabe-se lá de quem. Links de cursos para minha mãe. Endereços de comunidades. Senhas de rede sociais de amigos e um arquivo: um bloco de notas intitulado <i>egocentrismo</i>. Uns recados do orkut, uma conversa no msn, um trecho de outra e uma poesia. O que me fez vir aqui escrever foi a conversa. Natural, boba, mas que fluía. Um contato inicial sem pressão, sem dedos. Eu me vi ali. Como me coloco pros meus amigos de anos. Me vi ali, nua, pra um quase desconhecido. Pra um rosto conhecido. Pra um desconhecido. Foi então que eu me lembrei do subterfúgio que uso na arte do esquecimento: fingir que a vida é maniqueísta e apagar tudo o que era bom reacendendo o que foi ruim.<br />
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Agora eu consigo lembrar o que foi bom, o que me fez achar bom e sinto que começo a esquecer as coisas ruins. Depois chega o estágio três: de colocar tudo na balança e esquecer o maniqueísmo. "Qualquer coisa", vou contando por aqui.<br />
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Que bom voltar!!! <br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div>alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-35065165471562460342010-09-28T21:36:00.001-03:002010-10-01T00:29:02.259-03:00Pequenos (ainda bem) momentos de lucidez.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-tmuqI1V6-bL3I0Yu3u-OvtdxvKFKrOZdd5uIv4x1Rd8IbnYFxXAmNlAZP2AhJLWG2WxcV5QQlYsa00W3NuUoIjWZucbRCfVXst-nAcTeLlN8O-nuXRkJ4vFPBOEGCWVt0uVa0wy-H7U_/s1600/801380_47406908.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="239" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-tmuqI1V6-bL3I0Yu3u-OvtdxvKFKrOZdd5uIv4x1Rd8IbnYFxXAmNlAZP2AhJLWG2WxcV5QQlYsa00W3NuUoIjWZucbRCfVXst-nAcTeLlN8O-nuXRkJ4vFPBOEGCWVt0uVa0wy-H7U_/s320/801380_47406908.jpg" width="320" /></a></div><br />
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MSN, mensagem offline: estou pelas Olindas hoje, se não for fazer nada, liga pra mim.<br />
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Cerca de uma hora depois:<br />
- Alô. OI.<br />
- Oi, já chegou?<br />
- Já. Estou aqui na frente tomando uma cerveja. Você vem?<br />
- Estou chegando.<br />
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Chegou.<br />
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Em público era sempre estranho. E olha que o platéia não havia visto o espetáculo (ou tragédia, se preferirem) de outrora. As conversas se restringiam a umas alfinetadas aqui, outras lá e umas zombarias. Tudo raso. Bastava que ficassem sozinhos para tudo se transformar. Dessa vez o assunto foi pesado. Depressão.<br />
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Uma, duas, três, quatro cervejas.<br />
Não tinha necessidade, mas fazia questão que as pernas se tocassem. Duas delas cobertas pela conhecida e pequena saia.<br />
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- Vamos ao banheiro comigo?<br />
- Vamos.<br />
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Na fila, o álibi da bebida e do sono. "Estou cansada". Não era nem desculpa. Verdade. "Encosta em mim".<br />
Você parado e eu com a cabeça em seus ombros. Olhos fechados. Mistura de sono e fantasia.<br />
- De frente não, é muito perigoso.<br />
Você tinha razão. Uma das poucas vezes em que você teve razão, admito.<br />
Você parado e eu com a cabeça em seus ombros, mas enquanto o seu corpo estava de frente, o meu se punha de lado. Mudança de ângulo estratégica e mais segura.<br />
- Vou trocar o dinheiro.<br />
Fui ao banheiro. Respirei fundo, lavei o rosto. Sai. Você disse que ia embora e me deu metade de um pacote de Trident. "Não precisa". "Fica".<br />
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Compartilhávamos o mesmo gosto na boca. Um abraço meio torto. O mesmo gosto mas com dois chicletes. Esforçávamos para não cometer o maldito erro crucial. Enquanto isso, alimentávamos nossas fantasias e nossos desejos.<br />
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- Liga pra mim quando acabar o show?<br />
- Pra quê? Vai me lavar em casa?<br />
- Não. Mas eu espero o dia amanhecer com você. Podemos ir à praia.<br />
- Tomar banho?<br />
- Não, né?<br />
- Então não quero.<br />
- Tá. Tomamos então. Me liga.<br />
- Mas vai acabar tarde. Já de manhã, talvez.<br />
- Não vou fazer nada. Espero. Me liga que venho.<br />
- Tá.<br />
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Não liguei. Te ligar no dia seguinte seria tornar isso real demais e no meio disso tudo, às vezes tenho uns momentos de lucidez.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1703792324557766666.post-71566174946883347012010-09-06T14:13:00.002-03:002010-09-06T14:17:16.957-03:00Fumaça e menta.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgphbsYC6UJc_koXTL6eAYs9oTlUjUT4Pagoo27p_ELkcVxv211qlSt-CAbx4tuHHJUgsoC7dgtcA5kGPO-UWNHctexrmOOOQUbF8WIDwIFeVG7NbrDZb0U1NYjEdWEQ00Y8bcdsVGF2c6u/s1600/cabelos.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgphbsYC6UJc_koXTL6eAYs9oTlUjUT4Pagoo27p_ELkcVxv211qlSt-CAbx4tuHHJUgsoC7dgtcA5kGPO-UWNHctexrmOOOQUbF8WIDwIFeVG7NbrDZb0U1NYjEdWEQ00Y8bcdsVGF2c6u/s320/cabelos.jpg" /></a></div>Gosto de fumaça misturado com o de fresh up de menta.<br />
Essa é uma lembrança incrivelmente boa que suspeito que é melhor não ir atrás de outras.<br />
Esta já me vale.alana.http://www.blogger.com/profile/12915966484026616958noreply@blogger.com1