terça-feira, 28 de setembro de 2010

Pequenos (ainda bem) momentos de lucidez.



MSN, mensagem offline: estou pelas Olindas hoje, se não for fazer nada, liga pra mim.

Cerca de uma hora depois:
- Alô. OI.
- Oi, já chegou?
- Já. Estou aqui na frente tomando uma cerveja. Você vem?
- Estou chegando.

Chegou.

Em público era sempre estranho. E olha que o platéia não havia visto o espetáculo (ou tragédia, se preferirem) de outrora. As conversas se restringiam a umas alfinetadas aqui, outras lá e umas zombarias. Tudo raso. Bastava que ficassem sozinhos para tudo se transformar. Dessa vez o assunto foi pesado. Depressão.

 Uma, duas, três, quatro cervejas.
Não tinha necessidade, mas fazia questão que as pernas se tocassem. Duas delas cobertas pela conhecida e pequena saia.

- Vamos ao banheiro comigo?
- Vamos.

Na fila, o álibi da bebida e do sono. "Estou cansada". Não era nem desculpa. Verdade. "Encosta em mim".
Você parado e eu com a cabeça em seus ombros. Olhos fechados. Mistura de sono e fantasia.
- De frente não, é muito perigoso.
Você tinha razão. Uma das poucas vezes em que você teve razão, admito.
Você parado e eu com a cabeça em seus ombros, mas enquanto o seu corpo estava de frente, o meu se punha de lado. Mudança de ângulo estratégica e mais segura.
- Vou trocar o dinheiro.
Fui ao banheiro. Respirei fundo, lavei o rosto. Sai. Você disse que ia embora e me deu metade de um pacote de Trident. "Não precisa". "Fica".

Compartilhávamos o mesmo gosto na boca. Um abraço meio torto. O mesmo gosto mas com dois chicletes. Esforçávamos para não cometer o maldito erro crucial. Enquanto isso, alimentávamos nossas fantasias e nossos desejos.

- Liga pra mim quando acabar o show?
- Pra quê? Vai me lavar em casa?
- Não. Mas eu espero o dia amanhecer com você. Podemos ir à praia.
- Tomar banho?
- Não, né?
- Então não quero.
- Tá. Tomamos então. Me liga.
- Mas vai acabar tarde. Já de manhã, talvez.
- Não vou fazer nada. Espero. Me liga que venho.
- Tá.

Não liguei. Te ligar no dia seguinte seria tornar isso real demais e no meio disso tudo, às vezes tenho uns momentos de lucidez.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Fumaça e menta.

Gosto de fumaça misturado com o de fresh up de menta.
Essa é uma lembrança incrivelmente boa que suspeito que é melhor não ir atrás de outras.
Esta já me vale.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Encontro eu-tu.

Desde o fim da semana passada que tenho pensado nisso. Em "encontro". Este é o primeiro período da faculdade que estou realmente gostando. Todos os outros mesclavam sensações de tortura, com suporte e indiferença. Neste não, estou realmente gostando e empolgada. Na primeira aula de técnica de entrevista e reportagem a professora expôs o programa e como pensava em fazer as avaliações: apenas uma grande entrevista, apenas uma grande reportagem e em dupla. Não gostei. O fato de ser só uma atividade de cada me parecia que não daria espaço para a progressão. Caso não fôssemos bem, como poderíamos recuperar a nota? Melhorar? Como ela veria nosso possível progresso? Além disso, não gosto de escrever em dupla, nunca gostei. Mais: ela queria que as atividades se configurassem em "encontros", não em mera técnica - apesar do nome da disciplina - em toque, em afeto. Para isso, sugeria que entrevistássemos alguém que fosse importante para nós ou que fosse fazer da atividade algo importe. Para ilustrar, mencionou que se fosse aluna de tal cadeira, escolheria o seu pai. OK. Muito bonito, mas como vou encontrar alguém que mexa comigo e com um colega ao mesmo tempo? Ainda mais com esse exemplo tão profundo. No fim, acabei achando válida a idéia da entrevista e da reportagem não-comerciais, digamos assim, mas a minha dupla e a escolha do entrevistado ainda me deixavam inquietas.
Foi quando comecei a ler "Entrevista - O diálogo possível" de Cremilda Medina e comecei a visualizar melhor o que seria esse encontro. Já no início do livro ela cita Martin Buber: "A verdadeira vida comunitária é aquela que permite a cada indivíduo relacionar-se com o próximo em termos da relação EU-TU, e não em termos da relação EU-ISTO". Estava clareando.

Um leitor, ouvinte ou telespectador sente quando determinada entrevista passa emoção, autenticidade, no discurso enunciado tanto pelo entrevistado quanto no encaminhamento das perguntas pelo entrevistador. Ocorre, com limpidez, o fenômeno da identificação, ou seja, os três envolvidos (fonte de informação - repórter - receptor) se interligam numa única vivência. A experiência de vida, o conceito, a dúvida ou o juízo de valor do entrevistado transformam-se numa pequena ou grande história que decola do indivíduo que a narra para se consubstanciar em muitas interpretações. A audiência recebe os inpulsos do entrevistado, que passam pela motivação desencadeada pelo entrevistador, e vai se humanizar, generalizar no grande rio da comunicação anônima. Isto, se a entrevista se aproximou do diálogo interativo. (MEDINA, 2005, p.30)

Foi então que um dia depois de ler esse trecho, acabei vendo a entrevista do Rafinha Bastos no programa Lobotomia, apresentado pelo Lobão e entendi o que significava esse tal de encontro, esse tal de OUTRO que vai mexer. Estava com uma visão muito alta da coisa, pensava em grandes ídolos, mas não: "mexer" pode ser uma coisa muito mais singela - mas não menos importante. E sei tanto isso. Como pude ter esquecido?

Eis que lembrei que já tinha vivenciado algo assim, já tinha saído outra pessoa de uma das minhas entrevistas e claro, como não podia deixar de ser, eu subestimava o entrevistado. Eu nem o conhecia, mas já havia falado com tanta gente interessante para aquela matéria sobre cinema que pensei que um professor universitário só falaria das disciplinas que ministra aulas e faria uma propaganda barata da Faculdade. Mas fui. Com má vontade, mas fui. Não lembro como tudo começou e poderia ter reescutado os áudios, mas fiz questão de tentar reproduzir só o que minha memória havia gravado. Lembro que com as outras pessoas, havia passado cerca de meia hora com cada e já achara mais do que suficiente. Com ele, foi uma hora. Uma intensa hora de dados que não sabia, de conhecimentos e experiências compartilhadas. O potencial educativo da animação, o custo de produções, a falta de profissionais especializados, o trabalho quase artesanal de stop motion, o preconceito de que aquele tipo de mídia é só para crianças. "Você já viu Persépolis?", indaguei. "Persépolis é maravilhoso, é um exemplo incrível de que animação não é só para criança, o tema é extremamente sério e a estética é diferenciada lembrando xilogravuras". Tudo fluía como se nos conhecêssemos há muito tempo e já reproduzi essa experiência pra muitos dos meus amigos. Por mim eu passava muito mais horas ali conversando, mas era hora de finalizar. Uma coisa que aprendi é a pergunta final: "Você acha que tem mais alguma coisa importante que você queira falar? Ou desimportante mesmo".

Foi aí que saiu o melhor. Uma sinceridade que me deixou atônita e que prefiro não reproduzir para não romper o pacto de confiança que embora nunca tenha sido explicitamente selado, pra mim foi um dos maiores acordos tácitos que já fiz.  Sai de lá em estado de êxtase e sempre me pergunto se existe a síndrome da jornalista que se apaixona por seu entrevistado (hahaha). Descobri: diálogo, encontro, eu-tu.

Só pra constar: nunca mais verei animação com os olhos de antes deste dia.
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