quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A metáfora do coração - 2

"Mas o que primeiro sentimos na vida do coração é a sua condição de escura cavidade, de recinto hermético: víscera, entranha. O coração é o símbolo e representação máxima de todas as entranhas da vida, a entranha onde todas encontram a sua unidade definitiva e a sua nobreza. Pode-se, e a expressão popular bem o sabe, ter entranhas e não ter coração; é próprio dos seres capazes de sentir, mas sem nobreza, dos quais não se deve esperar esses momentos de ânimo que levam o selo da generosidade, que não têm as condições especiais que a metáfora do coração leva quase sempre: falta-lhes o espaço vital. Seres com entranhas sem espaço, que são um grau ínfimo na hierarquia do que é vivo. Sentem, mas no seu sentir há um absoluto hermetismo; sentem para si, e o seu sentir jamais se abre, nem sequer irradia. O coração é a víscera mais nobre porque leva consigo a imagem de um espaço, de um dentro obscuro secreto e misterioso que, em algumas ocasiões, se abre."

(Trecho do livro A metáfora do coração, María Zambrano)


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A metáfora do coração - 1

"O coração em chamas, ou o fogo do coração é a metáfora, a forma de que se revestiu nas suas aparências históricas. Mas na terminologia popular, nessa vida que o <> levou em seus fiéis territórios, o coração não é fogo, mas parece apresentar-se em símbolos espaciais: é como um espaço que dentro da pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juízos e daquilo que pode ser explicado. É amplo e também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes, arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada. Encontrar também a solução de um conflito interior quando se caiu num labirinto inextricável por obra das enredadas circunstâncias. Nesta cultura permanente do coração, não arde como fogo, mas como chama, chama que não produz dor, mas felicidade. E é luz que ilumina para sair de impossíveis dificuldades, luz suave que dá consolo. Nesta mesma cultura, o coração tem feridas; lentas, às vezes impossíveis de sarar; dir-se-ia que as feridas nele nunca se fecham porque têm um certo caráter activo, são feridas vivas, como feridas das quais mana constantemente uma gota de sangue que impede a sua cicatrização. E, por último, o coração pesa; e é pior, pode fazer sentir o seu peso, que equivale ao do universo inteiro, como se nele, pesasse a vida de alguém que, na vida, não pode já vivê-la. É o pesadume, essa palavra tão profundamente espanhola, o pesadume que provém sempre do coração".

(Trecho do livro A metáfora do Coração, María Zambrano)