segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A metáfora do coração - parte 3

"Somente aquilo que constitutivamente é fechado pode ser a sede de uma intimidade; aquilo que com suprema nobreza pode abrir-se sem deixar de ser cavidade, interioridade que oferece o que era a sua força e o seu tesouro, sem se converter em superfície. Que, ao oferecer-se, não é para sair de si mesmo, mas para fazer adentrar-se nele o que vagueia fora. Interioridade aberta; passividade ativa. Tal parece ser a vida primeira do coração, víscera onde todas as restantes cifram a sua nobreza, como se nela tivessem delegado para executar essa ação suprema, delicada e infinitamente arriscada. Porque neste abrir-se da entranha coração, arrisca-se a vida das restantes que não podem fazê-lo, mas que estão comprometidas por participação. Pouco valor teria essa abertura do coração se ocorresse sem participação das demais entranhas somente passivas, obscuras e sem espaço para oferecer - pura vibração sensível, puro trabalho também -. Se tal participação não sucedesse, o coração poderia ter uma vida independente e solitária, como chega a ter o pensamento. Mas a primeira diferença que salta referente a ele, é esta de não poder desligar-se, de não andar solto, com vida independente. E levar sempre agarradas as entranhas (!!!). O que é estar e permanecer sempre e em todo o momento vivo, pois vida é esta incapacidade de um órgão desligar-se de outro, um elemento de outro; esta impossibilidade de dissociação que é tão arriscada, porque, ao não existir separação, quando chega é fatalmente a morte. Incapacidade de libertação, de viver independente e solitário que é a forma de liberdade do pensamento, que consegue assim a sua superioridade, mas sem heróismo, porque nunca arrisca, nem padece, porque ao libertar-se da vida nada tem que temer da morte"

(María Zambrano, páginas 23 e 24)