sábado, 16 de agosto de 2014

Carta a D.

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Era isso: você havia me dado a possibilidade de escapar de mim mesmo e me instalar num outro lugar, do qual você me trouxera a notícia. Com você, eu podia deixar de férias a minha realidade. Você era o complemento da irrealização do real, estando eu mesmo nele compreendido desde sete ou oito anos antes, através da atividade de escrever. Você era quem punha entre parênteses esse mundo ameaçador, no qual eu era um refugiado de existência ilegítima, cujo futuro nunca ultrapassava três meses. Eu não tinha a menor vontade de voltar à Terra. Encontrava refúgio numa experiência maravilhosa e não aceitava que ela fosse alcançada pela realidade. Eu recusava, no fundo de mim mesmo, aquilo que, na ideia e na realidade do casamento, implica esse retorno ao real. Até onde consigo lembrar, eu sempre procurei não existir. Você deve ter trabalhado anos a fio até me fazer assumir minha existência. E esse trabalho, estou certo disso, nunca se completou
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André Gorz; página 16

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