terça-feira, 7 de julho de 2009

Plenitude.


Em todas as tardes possíveis tudo ocorria exatamente igual, como se fosse um ritual.
Pegava um copo com água e entrava em seu quarto. Fechava a porta, pegava os óculos, o celular e um livro. Apoiava o travesseiro na parte mais alta da cama e a cabeça no vão entre o ferro e a parede. Aparentemente era desconfortável, mas de fato não. Abria a janela, o livro e se enrolava com o lençol marrom e branco. Com o tempo, o pescoço doía e o corpo ia descendo até deitar realmente. Virava para um lado, lia, cansava. Para o outro, lia, cansava. Ficava de barriga para cima, mas era difícil apoiar o livro. O sono ia chegando. Acabou o capítulo. Fechava o livro, tirava os óculos e colocava ambos aos pés da cama. Fechava a janela para ficar escuro e se cobria até o pescoço. Cerrava os olhos e começava a fantasiar até dormir, essa era a idéia, pelo menos.
Dali a uns 10 minutos a porta abria. Olhava, mas já sabia quem era. Aquela figura pequena e risonha trazendo um travesseiro.
- Ah, não, eu quero dormir!
- Eu também quero! Dá um espacinho, vai.
- Não cabe, não dá..
- Vai mais pra lá, encosta na parede.
- Olha, é pra ficar em silêncio que estou com sono!
- Está bem, está bem.. psiiiu, silêncio.
Uns 3 minutos se passavam e ela começava a tagarelar sobre qualquer coisa. Sobre a vizinha, sobre a família, sobre a novela, sobre comida.. qualquer assunto. Não conseguia ficar calada de jeito nenhum.
- Psiiiiu, quero dormir, esqueceu?
- Ah é! Silêncio, silêncio.
Finalmente ele tomava conta do ambiente. Virava para o lado da parede e quando o cochilo começava sentia que ela levantava da cama e fechava a porta. Era sempre assim! Sorria às escondidas, uma confidência com a parede e o cachorrinho de pelúcia que ficava entre as duas.
Sua mãe não tinha sono. Entrava todas as tardes no quarto para ficar ali durante aqueles poucos minutos abraçada com ela. Ela também adorava. Reclamava só para se fazer de difícil - era seu esporte favorito. No fim, a tarde era feliz para as duas: a garota teria bons sonhos e a mãe também passaria a tarde feliz fazendo sabe-se lá o que. A única certeza é a de que o amor entre mãe e filha é uma das coisas mais belas que existem.

3 comentários:

  1. Sério?

    Esse foi o melhor texto que já vi aqui. Nao sei, não sei se foi o melhor mesmo, só sei que foi o que mais gostei!

    Muito bom!

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  2. Aaah, como eu adorava ir pra cama da minha mãe quando eu era pequeno...

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  3. Uau... maravilhoso seu texto!
    Parabéns pelo blog!

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